São
Paulo - Se você pudesse escutar o monólogo interno de um corredor, talvez
ouvisse algo do tipo: “Deveria ter vestido mais roupa. O que vou comer no
jantar? Ladeira! Esse tênis novo é bom. Macarrão? Preciso comprar macarrão. E
azeite. Estou vestindo muita roupa.”
Os
budistas chamam esse pingue-pongue mental de “mente de macaco” – são
pensamentos aleatórios indo e vindo como um bando de primatas indisciplinados.
É um estado natural para corredores que ficam felizes deixando a mente vagar
por quilômetros. Porém, quando você começa a ficar estressado (por causa da
prova que vem por aí ou pela vida de modo geral), esses macacos começam a fazer
muito barulho (Por que me inscrevi nessa prova? Meus pés estão doendo! Estou com
fome!), e pode ficar difícil render o seu melhor ou simplesmente curtir a
corrida.
Os
budistas têm um jeito de domar esses animais: meditação. No método tradicional,
ficamos sentados e focamos na respiração para alcançar a paz de espírito. Mas
você pode acalmar essa agitação mental enquanto corre. É o que afirma o líder
espiritual indiano Sakyong Rinpoche, corridor e autor de Running with the Mind
of Meditation (“Correndo com a mente da meditação”, em tradução livre). “A
meditação reduz o caos interno e o estresse”, diz Sakyong. “Quando aplicamos
isso à corrida o esporte se torna uma ferramenta que traz relaxamento e
vitalidade. O corpo e a mente entram em harmonia, nos sentimos mais vivos e
mais fortes.”
Desenvolver
uma prática meditativa para a corrida leva tempo e, claro, treino. Mas, segundo
o líder espiritual, ao aplicar alguns princípios básicos da meditação à sua
corrida, você se sente — e corre — melhor instantaneamente.
Fique
ligado
O
primeiro passo é desenvolver consciência corporal: preste atenção na sua
respiração, em como seus pés aterrissam no chão, como seus braços balançam. Se
perceber alguma parte tensa (punhos fechados ou ombros levantados), relaxe-a. O
designer carioca Mauricio Dias, de 44 anos, chega a quase dormir nos treinos
regenerativos tamanha a paz alcançada com a meditação. “Presto muita atenção na
respiração, inspiro pelo nariz e solto pela boca e chego a fechar os olhos.
Libertar a mente acaba me deixando mais forte”, afirma.
Ouça
seu corpo enquanto corre. Pense se algo relacionado à corrida (pernas
doloridas) ou a seu estilo de vida (falta de sono) o deixa tenso. “Somos
treinados para superar o desconforto. Mas se houver alguma coisa ruim que você
possa corrigir ou, pelo menos, conhecer a origem dela, você fica mais relaxado
e corre com uma postura melhor”, afirma Marty Kibiloski, maratonista e
instrutor de meditação para corredores. Isso traz uma corrida mais eficiente,
rápida e com menos chance de lesões.
Pense
feliz
Pesquisas
associam uma visão mais otimista da vida a um melhor rendimento esportivo. E
afastar o diálogo interno negativo é um princípio-chave da meditação.
Professores budistas pedem aos alunos que associem coisas negativas a nuvens
passando no céu: uma nuvem passageira, por exemplo, é apenas isso — passageira.
A paulistana Heloísa Weber, 26 anos, já era experiente na meditação quando
começou a correr. Ela recorre às suas habilidades zen para manter a confiança
em treinos e provas. “O grande lance é estar presente no aqui e agora. Eu
começo fixando o olhar em algum ponto distante e observando a respiração e os
batimentos. Então respiro mais profundamente, relaxo tensões nos músculos do
rosto e ombros e continuo com o olhar fixo. Muitos pensamentos surgem, mas eu
não ‘converso’ com eles, deixo passarem, como nuvens”, diz. Segundo ela, quanto
mais profundamente você respira, mais relaxa e tem fôlego e energia.
Aceite
o desafio
Ladeiras
monstruosas, clima hostil, percursos monótonos. Esses fatores podem transformar
uma experiência agradável em frustração — mas só se você permitir. “Toda
corrida tem desafios”, afirma Sakyong. “É preciso ter coragem, não tentar
evitar o tédio ou o desconforto, mas relaxar com as coisas do jeito que são.”
Tem
uma prova importante no horizonte? A meditação pode ajudar a controlar o
nervosismo, especialmente quando fatores externos entram em cena. Se a previsão
era de clima ameno e a temperatura bate os 30ºC, foque na respiração, reduza um
pouco o ritmo. Sente-se à sombra, se necessário. Essa pausa pode lhe dar mais
energia para o resto da prova. “Corredores já têm estoques de força e
resistência. A meditação ajuda a reconhecer essas qualidades e a colocá-las em
prática”, diz Kibiloski.
Ame
a corrida
No
geral, corredores nutrem um constante sentimento de insatisfação, seja em
relação aos tempos nas provas, seja em relação à distância percorrida. É bom
querer melhorar, mas você também precisa valorizar o corredor que é hoje,
ensina Kibiloski. Quando estiver correndo, pense em tudo de bom que está
fazendo naquele momento — fortalecendo os músculos, produzindo endorfinas,
tirando um tempo para si mesmo. “Apreciar a corrida cria uma identidade
saudável”, diz Sakyong. “Não importa se sua vida está um caos.”